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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Adoção à Brasileira e a (I)LEGALIDADE do ato

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Hoje, 18 de setembro de 2014, o STJ concedeu habeas corpus a fim de assegurar a guarda de um menor a um casal acusado de burlar a lista de adoção.
Entenda essa modalidade de adoção e como ela é vista no ordenamento jurídico brasileiro.

1 “ADOÇÃO À BRASILEIRA
A “adoção à brasileira”, conforme visto em "Adoção: Espécies e Modalidades", apesar de descrita no rol de modalidades de adoção, não é uma forma reconhecida em nosso ordenamento, posto que a sua prática caracteriza um ilícito penal.
Lamenza critica essa forma de adoção, afirmando que, enquanto alguns enfrentam os rigores da lei, a fim de satisfazer todos os requisitos para ter um ser humano sob seus cuidados, passando por todos os tramites processuais exigidos, outros indivíduos, por motivos de índole subjetiva, realizam o que a doutrina convencionou como “adoção à brasileira”, forma de receber um jovem no seio familiar sem a observância das formalidades legais[1].
            Fonseca, por sua vez, aponta outro risco dessa modalidade de adoção. O autor explica que na modalidade de “adoção à brasileira, não há distinção entre filiação biológica e filiação social”. É um processo irrevogável, se os pais quiserem voltar atrás, têm que reconhecer que cometeram um crime.
            A criança será integrada inteiramente na sua nova família, conferindo-lhe direitos em igualdade com as crianças “legítimas”. Em outras palavras, este procedimento antecipou, em muito, o espírito da legislação atual. Sem a ajuda de assistentes sociais, psicólogos ou qualquer outro agente do Estado, as pessoas procuram as redes apropriadas, avaliam as intenções da “mãe verdadeira”, e determinam o modo apropriado de agir[2].
            Então, o que move os interessados na adoção a optarem por essa forma de adoção?
            De fato, na maioria dos casos, os interessados visam o benefício, o bem estar e o melhor interesse do infante. Essa modalidade de adoção acontece, em geral, quando os pais biológicos não tem interesse em ficar com uma criança e acabam abandonando o filho aos cuidados de outra família. Informar tal fato às autoridades, muitas vezes, significa entrar no processo de adoção, deixar a criança em uma instituição até uma decisão judicial e aguardar pelo tempo do processo.
            Se a celeridade e acessibilidade são desafios permanentes, superar a concepção elitizada e o excesso de burocracia com que são tratados os sentimentos humanos, também deve ser compromisso do Sistema de Justiça informado pelo princípio constitucional da dignidade humana[3].

1.1 Quem pratica esse tipo de adoção?
            Engana-se quem pensa que somente pessoas com menor esclarecimento arriscam-se a essa empreitada irregular.
            Em uma pesquisa recente, Lidia Weber demonstrou que os motivos que levam alguém a registrar filho alheio como próprio, por esse método, são os mais variados, mais fácil é intuir que, dentre eles, estão: a esquiva a um processo judicial de adoção demorado e dispendioso, mormente quando se tem que contratar advogado; o medo de não lhe ser concedida a adoção pelos meios regulares e, pior ainda, de lhe ser tomada a criança, sob o pretexto de se atender a outros pretendentes há mais tempo “na fila” ou melhor qualificados; ou, ainda, pela intenção de se ocultar à criança a sua verdadeira origem[4].
             Os indivíduos que se subtraem às exigências legais para receber uma criança em adoção pertencem a todas as classes sociais. Para tanto, munem-se de artifícios escusos, recebendo o infante clandestinamente da mãe biológica (por vezes na saída da própria maternidade) e correndo para a lavratura do assento de nascimento indevido perante o Cartório de Registro Civil[5], explica Lamenza.
            Existem dois grupos distintos, do ponto de vista móvel psicológico, que realizam esta “adoção à brasileira:
1) os que realizam essa colocação indevida por receio de figurarem na fila de interessados em adoção. Com eventual demora na chamada por especificação excessiva das características da criança pretendida (geralmente branca, recém-nascida e do sexo feminino), poderia haver o medo de envelhecimento dos interessados, com profundo distanciamento em relação à faixa etária do “adotado” ou frustração decorrente de situação não resolvida (mito do tempo perdido, que poderia ser aproveitado com uma criança já inserida na família);

2) os que recorrem à “adoção à brasileira” com temor de recusa do Poder Judiciário (ou do Ministério Público) em aceitar o perfil dos interessados. Há
pessoas que têm insegurança em suas atitudes, imaginando que o Juiz de Direito (ou o Promotor de Justiça) possa criar óbices à colocação adotiva com argumentos variados (falta de recursos financeiros, anomalias psíquicas, inadequação para os cuidados de uma criança etc.)[6].

            O perfil da grande maioria dos adotantes que opta pela “adoção à brasileira” é que são: pertencentes à classe média; a faixa etária gira entre os 40 e 50 anos; residem em local pertencente à circunscrição do Cartório de Registro Civil onde o assentamento de nascimento da criança é indevidamente lavrado. Enquanto o perfil dos “adotados” é composto por crianças recém nascidas[7].

1.2 Tipificação
            No tocante ao ilícito penal cometido, o Código Penal, em seu artigo 299, estabelece se tratar de falsidade ideológica inserir declaração falsa, em documento público ou particular, que altere fato juridicamente relevante. Com aplicação de pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa, no caso de  documento público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
            Conforme lembra Granato, a Lei 6.898/81 tipificou o “registrar como seu o filho de outrem”, passando a considerar crime, previsto no art. 242, do Código Penal, com pena de dois a seis anos de reclusão, mas excepcionando, no parágrafo único”se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena – detenção de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena[8]”.
            Autores, como Chaves, defendem que não se pode atentar exclusivamente para o texto da lei. A norma penal é severa demais, chocando-se frontalmente com os relevantes motivos sociais que acompanham atos dessa natureza e os sentimentos do homem médio comum – dos quais não se pode excepcionar o juiz – que, com raras exceções, são unânimes,
            Também são unânimes a doutrina e a jurisprudência, em buscar meios e pretextos para contornar o texto severo da lei a fim de não cominar pena alguma, quando alguns, entre esses milhares de casos que anualmente ocorre, chegam, por qualquer circunstância aos tribunais. Ninguém resiste à verdadeira coação de ordem moral decorrente do alto valor espiritual e humano que inspiram tais gestos[9].
            Alguns autores, equivocadamente, acreditam que a permissão da prática da “adoção à brasileira” é um perigo, pois a tolerância poderia tornar a adoção legal letra morta, “um entrave à legalidade e à própria essência da justiça do ato adotivo”, enfatiza Lamenza.
            Ao condenar o ato, o que se deixa de observar é a integridade da intenção. Os adotantes se afeiçoam ou, por motivos vários, concebem uma criança nascida de outrem em seu seio familiar, para lhe dedicar amor, cuidados e um lar que esse infante não irá encontrar em abrigos.
            A deficiência, o problema, não está na forma de adoção optada pelos pais, mas nas opções que o sistema lhes oferece para conseguir efetivar a adoção de uma criança.

2. ADOÇÃO À BRASILEIRA: BENEFÍCIOS OU PREJUÍZOS AO ADOTADO?  Ainda não foram realizadas pesquisas para apurar os benefícios ou prejuízos que essa modalidade de adoção pode causar aos envolvidos. O que se sabe, é que no Brasil essa é uma prática recorrente e que raramente chega ao conhecimento da Justiça, com exceção de um caso ou outro.
            Sem previsão legal, não existe meio de fiscalização ou mensuração de eventuais danos. O principal prejuízo apontado pelos doutrinadores do assunto é o fato de que, no momento em que não há uma fiscalização e um controle, essas crianças não terão proteção ou um olhar mais atento da Justiça, igual ocorre na adoção legal. Essas crianças poderiam ser adotadas para fins de tráfico, prostituição ou qualquer outra espécie de marginalidade.
            “A burocracia visa tão somente à proteção da criança e adolescente adotado[10]”, defendem alguns, o que acho temerário, já que deixar uma criança em abrigos, ao sabor do tempo, até que complete a idade adulta, não deve ser considerado um beneficio.
            Se existe uma série de exigências para conceder a guarda de um menor a uma família é, justamente, para evitar que algum mal irreversível aconteça a essa criança ou adolescente. Todavia, existe um limite do que é aceitável. As exigências na adoção legal não podem ser tamanhas, a ponto privar a criança, por anos, de ter uma família e desmotivar os interessados.
            Valdir Sznick, procurador de Justiça, ao falar sobre a adoção à brasileira, salienta que “o ato, por mais nobreza e grandeza de princípios de que se revista, está tisnado pela dissimulação e pela infração à lei[11]”. De fato, mas e o que está fazendo o Poder Público para deixar o procedimento mais célere e tornar a burocracia um benefício e não um prejuízo ao infante?
            Respondendo a essa questão, Veronese, invoca o princípio do melhor interesse da criança. Para o autor, a proteção dos direitos da criança e do adolescente deve ser absolutamente prioritária, sobreposta a quaisquer outras medidas. O princípio do melhor interesse da criança deve ser pautado em medidas concretas aplicadas pela família, pela comunidade e pela atuação do Poder Público com a criação de meios e instrumentos que assegurem os direitos proclamados[12].
            Ademais, a generalização e a condenação do instituto, por si, não tem fundamento. Qualquer pai que maltrate o filho, que não lhe garanta amor, cuidado, educação e um lar saudável, deverá estar sob o olhar atento da comunidade e da Justiça. Os meios pelos quais esses pais chegam a adoção, não irão influenciar negativamente sobre a forma com que cuidará dessa criança.

2.1 As decisões dos Tribunais Estaduais sobre o assunto
            Os Tribunais, majoritariamente, entendem que a exemplo da adoção legal, a adoção à brasileira é irrevogável, lembrando que a relação criada pelos laços de afeto e os vínculos existentes entre pais e filhos se sobrepõe ao vínculo biológico.
            O Acórdão a seguir transcrito trata de pedido de negatória de paternidade, o qual foi julgado improcedente, por estar reconhecido o vinculo socioafetivo entre as partes, vínculo este que se sobrepõe ao biológico. Vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE MATERNIDADE. ADOÇÃO À BRASILEIRA E FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. Incontroversa a adoção à brasileira do réu pelo autor, a exemplo da adoção legal aquela é irrevogável. A pretensão esbarra, também, na filiação socioafetiva que perdura até hoje entre o autor e réu, o qual vê no pai registral o seu verdadeiro pai. Improcedência da negatória de paternidade mantida. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. APELAÇÃO DESPROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70034072439, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 11/08/2010)

             André Luiz Planella Vilarinho, afirma que mesmo havendo a inexistência de filiação biológica reconhecida nos autos, o reconhecimento livre e espontâneo da paternidade, sem qualquer vício de consentimento, caracteriza a denominada ‘adoção à brasileira’, a qual é irrevogável.
            Em sua brilhante dicção, salientou o desembargador:

Conforme entendimento moderno do Direito de Família que foi se sedimentando no nosso País, acolhido pelas melhores doutrina e jurisprudência, as relações familiares devem se basear muito mais no afeto do que em outros aspectos. Assim, as relações parentais de filiação baseadas na afetividade, ou constituídas com base no afeto, devem se sobrepor à filiação biológica ou registral, exatamente porque, ninguém passa a ser pai/mãe na verdadeira acepção da palavra, só porque se descobriu que biologicamente é o pai/mãe, e também, não necessariamente alguém que descobre não ser o pai/mãe biológico, deixa de ser o pai/mãe afetivo.
As relações de filiação, de fato, não se iniciam ou terminam apenas com base na verdade biológica.

             Doutrina e jurisprudência não estão pacificadas nesse ponto. Diversamente do acima entendido, Granato entende que “por absoluta inconformidade com a lei, aquele registro é nulo e, como tal, a qualquer momento poderá ser declarado”, para a autora, adotante e adotado ficam expostos a possibilidade de uma mudança radical em suas vidas, se acaso venha-se a descobrir a falsidade e se anular o registro.
            Esse posicionamento, todavia, não encontra respaldo nas decisões dos Tribunais do país, conforme se verifica pelas decisões dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e Goiás:

EMENTA: AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO - ADOÇÃO À BRASILEIRA- ATO JURÍDICO PERFEITO - PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
- É improcedente o pedido de desconstituição da paternidade espontaneamente assumida, ausente vício de consentimento, restando incontroversa "a adoção à brasileira" praticada pelo autor e sua esposa, ou seja, o registro de filho alheio em nome próprio.
- Deve prevalecer a paternidade socioafetiva, tendo em vista que o autor tinha ciência da ausência de filiação biológica, mas concordou com o registro civil, pretendendo a sua desconstituição trinta e oito anos depois do nascimento da ré. (Apelação Cível n.º1.0024.11.290442-0/001. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Relator(a): Des.(a) Alyrio Ramos. Julgado em: 08/08/2013

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO PÓSTUMA OU PÓS MORTEM. ADOÇÃO À BRASILEIRA. POSSE NO ESTADO DE FILHO. PARENTESCO CIVIL. RELAÇÃOSOCIOAFETIVA. PARÂMETROS DE DIREITO MATERIAL. CONFIGURAÇÃO. 1 - A posse de estado de filho de quem nesta condição permaneceu autoriza o reconhecimento da adoção, póstuma ou não, perante aquele que também em circunstância tais sempre o concebeu. Leitura do art. 1.593, caput, do art. 1.609, parágrafo único e do art. 1.619, caput, da Lei nº 10.406/02, c/c art. 42, § 6º e art. 47, caput e § 7º, da Lei nº 8.069/90, todos à luz da socioafetividade que tanto orienta o atual Direito de Família. Raciocínio que, por sua vez, enxerga eco nos enunciados nº 256, 339 e 518, da III, IV e V Jornadas de Direito Civil, respectivamente. 2 - Logo, há de ser reconhecida em juízo a adoção à brasileira pós mortem do demandante que, ao longo de anos a fio, comprovou que na posse do estado de filho com os genitores já falecidos dos requeridos conviveu. Jurisdição em segundo grau concluída com fundamento nas provas hospedadas nos autos e, outrossim, com fulcro nas promoções ministeriais, estas, inclusive, utilizadas como razão de decidir. APELAÇÃO CONHECIDA PORÉM DESPROVIDA.

            No Estado do Rio Grande do Sul, não é recente a concessão de Perdão Judicial nos casos de Adoção à brasileira, quando, por não ter condições de prover sozinha o sustento do filho, a mãe entrega a criança a uma filha interessada e capaz de proporcionar a criança um lar, baseado no afeto, no respeito, garantindo-lhe uma ambiente saudável.

EMENTA:  PARTO SUPOSTO. ARTIGO 242 DO CÓDIGO PENAL. ADOÇÃO À BRASILEIRA. PERDÃO JUDICIAL CONCEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. Mãe do menor é prostituta e diante da impossibilidade de criar adequadamente o recém nascido o entregou aos réus. Para adequarem a realidade à certidão de nascimento, os réus se declararam pais do nascituro e lograram êxito em registrá-lo. Sentença concessiva de perdão judicial mantida. APELO NÃO PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70037954229, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 23/09/2010)


            Conforme referido por Cláudio Baldino Maciel, no acórdão acima, apesar do agir ilícito dos acusados, trata-se do chamado “dolus bonus”, ou seja, suas intenções foram no sentido de receber o menor e dar a ele a família que sua mãe biológica assumidamente não poderia proporcionar.
            Em casos análogos, para a concessão do perdão Judicial é invocado o art. 242 do Código Penal, o qual faz a seguinte previsão:

Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)
Pena - reclusão, de dois a seis anos. (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)   Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)   Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena. (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)

            Acerca do perdão Judicial o ilustre Julio Fabrini Mirabete explica que quando o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza, confira-se a forma privilegiada em que a pena é a de um a dois anos de detenção. Reconhecendo-se a motivação nobre, é necessário que o juiz a leve em consideração na aplicação da pena[13].
            Da mesma forma Guilherme de Souza Nucci, afirma que o Perdão judicial é a clemência do Estado para determinadas situações expressamente previstas em lei, quando não se aplica a pena prevista para determinados crimes, ao serem preenchidos certos requisitos objetivos e subjetivos que envolvem a infração penal. Trata-se de uma autêntica escusa absolutória, que não pode ser recusada pelo réu[14].

2.2 Decisão do STJ no pedido de habeas corpus
            Mas o Judiciário não parou de inovar. Na data de 18/09/2014, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu ordem de ofício para que uma criança de três meses, enviada a abrigo, fosse devolvida a um casal acusado de burlar a lista de adoção.
            A decisão foi unânime. (Veja a notícia completa)
            O habeas corpus foi impetrado contra decisão que negou liminar (pedido urgente dos pais adotantes do menor), o que só é admitido em casos excepcionais. A Turma reconheceu que esse não é o instrumento processual adequado para defender interesses da criança, mas entendeu que o caso era excepcional.
            “Está-se diante de uma situação bastante delicada e que impõe a adoção de cautela e cuidado ímpar, dada a potencial possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos da criança”, afirma a decisão. Para os ministros, esse é um caso que justifica o afastamento excepcional de todos os óbices que, em princípio, levariam ao não conhecimento do habeas corpus.
            O juízo determinou por meio de liminar o acolhimento institucional da criança. Contra a decisão foi impetrado habeas corpus com pedido de liminar, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve o acolhimento e determinou também a realização de exame de DNA.
            No STJ, o casal alegou que quando a criança nasceu já estavam inscritos no Cadastro Nacional de Adoção por causa da dificuldade da esposa em engravidar. Disse que a medida de acolhimento institucional seria prejudicial à criança, pois teriam melhores condições para cuidar dela.

2.2.1 Estabilidade emocional
            Os ministros entenderam como “temerária” a permanência da criança em um abrigo. Segundo a decisão, como as irregularidades no procedimento de adoção ainda são alvo de investigações, manter o menor em instituição de acolhimento configuraria uma “verdadeira inversão da ordem legal imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, na qual esta opção deve ser a última e não a primeira a ser utilizada”.
            Para os magistrados, não havia indício de situação de risco para a criança que justificasse trocar um lar estabelecido por um local de acolhimento institucional. Assim, o que melhor atende aos interesses da criança é permanecer sob os cuidados do casal até a decisão final do processo.  
            A Turma considerou razoável a manutenção da situação estabelecida, inclusive porque a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que “o menor deve ser protegido de sucessivas e abruptas alterações em seu lar, com vistas à proteção de sua estabilidade emocional”. (Fonte: www.stj.jus.br)
            De fato é uma decisão inovadora, principalmente no aspecto da concessão do habeas corpus (o que já havia sido negado por outra turma do STJ), mas nesse aspecto discute-se algo mais importante: os interesses envolvidos nesse processo.

3 CONCLUSÕES
            É um equívoco, beirando às portas da injustiça, acreditar que os adotantes que optam pela adoção à brasileira devem ser punidos pelo ato. A busca por essa modalidade de adoção demonstra a precariedade do sistema, que prefere lançar mão de condenações prévias, a olhar para as verdadeiras culpadas: a burocracia e a lentidão, que fazem arrastar as enormes filas de interessados e as crianças ficarem adultas aguardando um lar.
            De forma alguma há que se defender a legalidade do ato. Apenas demonstrar que o mesmo não pode ser encarado com tanta severidade, quando a própria lei não garante que as milhares de crianças nos abrigos consigam encontrar os milhares de pais nas filas de espera.
            O que se sugere é a busca pela celeridade dos trâmites legais e uma menor burocratização, que faça os interessados olharem para a adoção legal como o único meio plausível para fazer uma adoção.
            Não podemos afastar a necessidade de uma discussão mais profunda sobre o assunto. Não dá para aceitar que um caso de tamanha relevância não seja disciplinado. Quanto aos “infratores”, acredito que são justas as decisões dos Tribunais e STJ, pois esses pais não podem ser condenados por querer dar amor, carinho e um lar a uma criança.
            Por fim, invoco o pensamento de Antônio Chaves, para o qual “ninguém resiste à verdadeira coação de ordem moral decorrente do alto valor espiritual e humano que inspiram tais gestos".

Autoria:
Darla Aparecida de Mello, Advogada, Juíza Leiga, especialista em direito civil e processo civil. 






[1] LAMENZA, Francismar. Um raio-x da adoção à brasileira. Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Lapa Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Artigo, 2009. Disponível em  http://www.mp.rn.gov.br/caops/caopij/doutrina/doutrina_adocao_brasileira.pdf Acessado em:10/11/2010
[2] FONSECA, Claudia. Caminhos da Adoção.  2. Ed. São Paulo: Cortez, 2002
[3] PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente – Uma proposta Interdisciplinar. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
[4] GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2010
[5] LAMENZA, 2009.
[6] LAMENZA, 2009.
[7] LAMENZA, 2009.
[8] GRANATO, 2010.
[9] CHAVES, Antonio. Adoção, Adoção Simples e Adoção Plena. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.
[10] PICOLIN, 2007.
[11] LAMENZA apud SZNICK, Valdir, Adoção. 3ª ed. rev. atual., São Paulo, LEUD, 1999, p. 453
[12] VERONESE, Josiane Rose Petry e PETRY, João Felipe Correa, Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2006, p. 10.
[13] MIRABETE, Julio Fabrini. Código Penal Interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 2009.
[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 495.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Adoção - Noções básicas

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Adoção
            A “Adoção” não é um tema novo, que tenha surgido no século passado, quando as linhas do direito começaram a tomar os rumos que hoje conhecemos. Historicamente, os Hebreus já adotavam a prática desse direito, com a previsão da adoção em seus Institutos.
         Na Grécia o direito de adoção era utilizado para que os homens dessem continuidade ao culto familiar. Buscava-se conceder a quem não teve pela natureza um descendente direto, um homem necessariamente, para dar continuidade a algumas tradições sociais, mantendo o culto aos deuses-lares[i].
            No Direito romano, a prática também era adotada, para eles a adoção poderia ser assim definida: “adoptio est actus solemnis quo in loco filii vel nepotis adscicitur qui natura tslid non est[ii]”, é dizer: “a adoção é o ato solene pelo qual se admite em lugar de filho quem pela natureza não é”.
            Entretanto, os direitos do adotado não se equiparavam ao do filho biológico. As desigualdades eram parte integrante da adoção legal desde a sua origem e, no Direito romano, já era adotado o princípio do “per adoptio nem dignitas non minuitur, sed augetur”, o qual pressupõe que diante do status superior da família adotiva, as cláusulas sobre herança eram formuladas para evitar um dreno no patrimônio dos mais para os menos afortunados[iii].
            No Brasil, antes da adoção da Constituição Federal de 1988, que visou especialmente a garantia dos direitos dos menos favorecidos, bem como do Estatuto da Criança e do Adolescente e Código Civil de 2002, alguns autores como Antônio Chaves, conceituavam a adoção como “um ato sinalagmático e solene, pelo qual, obedecidos os requisitos fixados em Lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um vínculo fictício de paternidade e filiação legítimas, de efeitos limitados e sem total desligamento do adotando da sua família de sangue[iv]”.
            Atualmente esse conceito está ultrapassado e os direitos (e deveres) do adotado e do filho biológico são os mesmos, sem qualquer distinção. E o instituto passou a ser definido como “o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer parentesco consangüíneo ou afim[v]”.
            Portanto, a adoção pode ser considerada como o ato jurídico solene, que preenchidos os requisitos legais, cria um vínculo jurídico de filiação, em que geralmente um estranho é trazido para o seio da família, na condição de filho, sem que necessariamente haja consangüinidade ou afinidade entre adotante e adotado[vi].

2. Linha do tempo
            Conforme foi mencionado, o direito de adoção possui uma longa trajetória histórica. Na Roma antiga, o adotante, deveria ter 60 anos, idade mínima exigida, vedando o direito aos que possuiam filhos homens naturais. A diferença de idade entre ambos deveria ser de no mínimo 18 anos e o adotado deveria ser o mais novo. 
         Inicialmente a mulher não tinha direito a adotar, a mudança só ocorreu na fase imperial, quando era necessária a autorização do imperador[vii].  
            Longo período depois, em 1.780 a.C, o Código de Hamurabi tratou do assunto, dispondo em seu artigo 185 que “Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem.
            Verifica-se uma evolução na disciplina, posto que o Código de Hamurabi vedou a possibilidade de reclamação do filho abandonado pela família biológica. Uma vez adotado, a família que abandonou perdia todos os direitos sobre o filho. O maior problema é que o filho também perdia os direitos sobre a família que o abandonou, tais como direito de conhecer ou manter um vínculo.
            Na Índia, entre 200 a.C e 200 d.C, o Código de Manu previa o direito de adoção, bem como os direitos de sucessão do filho adotado, igualando-o ao filho do irmão, ao filho clandestino e ao filho proveniente de casamento legítimo.
            Segundo o Código de Manu, o filho adotado era considerado parte do grupo de “seis parentes” e herdeiro da família. Vejamos:


Art. 572º Todos os filhos de Dvijas, nascidos de mulheres pertencentes à mesma classe de seus maridos, devem partilhar a herança igualmente, depois que os mais novos tiverem dado ao mais velho, seu lote separado.
Art. 573º É ordenado a um Sudra desposar uma mulher de sua classe e não outra; todos os filhos que nascem dela devem ter partes iguais, mesmo quando haja uma centena de filhos.
Art. 574º Desses doze filhos dos homens que Manu Svaiambhuna (proveniente do ser existente por si mesmo) distinguiu, seis são parentes e herdeiros da família e seis não herdeiros, mas parentes.
Art. 575º O filho engendrado pelo próprio marido em casamento legítimo, o filho de sua mulher e de seu irmão segundo o modo supra indicado, um filho adotado, um filho nascido clandestinamente ou cujo pai é desconhecido, e um filho enjeitado por seus pais naturais, são todos seis parentes e herdeiros da família.
           

            Se, por um lado, o Código de Manu garantia os direitos dos filhos adotados, seguindo na linha do tempo e chegando ao direito português, verifica-se um enorme retrocesso. As Ordenações do reino (Manuelinas, Afonsinas e, por último, Filipinas) estiveram em vigor até meados do século passado. 
          Com a transferência do patrimônio cultural de Portugal, o Brasil adotou as Ordenações Filipinas como sua Lei, e sua vigência se deu até a entrada em vigor do Código Civil de 1916.
                As Ordenações Filipinas, baseadas em princípios arcaicos, não previa o direito de sucessão ao filho adotado, a menos que parentes do adotante (de cujus), viessem a reconhecer o direito do mesmo para receber a herança.
            Segundo as Ordenações Filipinas, parentes sanguíneos, ascendentes ou colaterais, recebiam os bens em casos de falecimento de indivíduos abintestado e sem descendentes, legítimos ou legitimados. Por isso, em casos da presença de herdeiros forçados, os processos de adoção continham inquirições feitas pelos Corregedores Cíveis junto aos eventuais parentes beneficiados. Nessas inquirições, eles declaravam se concordavam, ou não, com a adoção, a qual significava, em última instância, a perda dos bens[viii].
            A adoção entrou para o nosso direito, com as características que apresentava no direito português. Foi o Código Civil de 1916 que sistematizou, pela primeira vez no Brasil, o instituto da adoção[ix].
            Mas o Código Civil de 1916 apresentada falhas, foi com a entrada em vigor da Lei 3.133/57, que se vislumbraram alterações significativas para o instituto, dentre as quais a redução da idade mínima para adotar de cinquenta para trinta anos de idade e autorização para que casais com cinco anos de casados pudessem adotar.
            Apesar de toda evolução, foi apenas em 1979, com a entrada em vigor do Código de Menores, que o adotado passou a ser considerado como parte integrante da família em todos os termos.
         O Código de Menores de 1979 instituiu, pela primeira vez, a adoção plena e irrevogável pela qual a criança passa a integrar a família do adotante em todos os sentidos. O filho adotivo herda como se fosse legítimo e o parentesco adotivo é estendido por força de lei aos ascendentes: no registro novo, ao lado dos adotantes, inscrevia-se, também, os nomes dos pais dos adotantes. Ao lado da adoção plena, continuou a existir a adoção “simples” até 1988, quando a nova Constituição (art. 277, § 6º) acabou com qualquer distinção entre filhos, sejam naturais, adulterinos, incestuosos ou adotivos[x].

2.1 Adoção na Constituição Federal de 1988
             A Constituição Federal de 1988 tratou especificamente do tema, reservando os artigos 226 ao 230, para tratar dos direitos de Família e, especificamente o artigo 227, § 6º, para dispor sobre o direito de adoção:


Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
(...)
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação[1].


            A Constituição de 88, promoveu mudanças significativas no âmbito do direito de família. Com a nova determinação do Legislador Constituinte, foi afastada a odiosa discriminação antes existente entre os filhos. Não só o filho adotivo teve seus direitos igualados aos dos demais filhos, como a pecha infamante de filho ilegítimo foi definitivamente proscrita do nosso direito[xi].
            A Constituição de 88, não apenas garantiu os direitos sucessórios do adotado, mas passou a garantir outros direitos, primando pela dignidade do adotado e visando garantir sua inserção em um ambiente saudável, próspero e capaz de lhe garantir uma vida digna, evitando quaisquer formas de distinção entre filhos naturais e adotados.
            Segundo Pereira, “se a história constitucional brasileira pode vangloriar-se da presença permanente da Declaração de Direitos e Garantias Individuais do Cidadão, a Constituição de 88 introduz direitos fundamentais específicos da criança e do adolescente”.

2.2 A adoção no Estatuto da criança e do adolescente, Lei 8.069/90
            Na esteira da Constituição Federal, 13 de julho de 1990, entra em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069/90, que regularizou o Direito de Adoção a partir das disposições Constitucionais de 88.
            O processo de adoção no Brasil, antes burocrático, complexo e demorado, ganhou novos dispositivos para desburocratizar o procedimento. Além disso, buscou o Estatuto da Criança e Adolescente, o bem estar do menor, não apenas da família, inserindo neste instituto uma nova ideia para o Direito de Adoção.
            O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), fundado na “doutrina jurídica da proteção integral”, regulamentou definitivamente a adoção para menores de 18 anos, mantendo as regras do Código Civil para os maiores desta idade, obedecido o princípio constitucional do artigo 227, § 5º, da CF. O novo Código Civil transcreveu inúmeros regras do Estatuto, deixando para o intérprete o desafio de preencher algumas controversas lacunas[xii].
          O ECA permitiu novos passos, não apenas na preservação dos direitos dos adotados, mas também no panorama sociológica, uma vez que o Estatuto, que se baseia no Princípio da Proteção Integral à criança e ao adolescente, passou a considerar seus destinatários (os adotados) como sujeitos de direitos, contrariamente ao Código de Menores que os considerava objetos de direito.
            Mas o novo Estatuto não esgotou o assunto. Quanto ao direito material, o ECA conseguia esgotar-se em si mesmo, prevendo extensamente sobre o direito de adoção. Entretanto, apesar do direito material estar esgotado, deixou a desejar quanto ao procedimento.
            Então, o projeto de Lei 1.756 de 2003, concentrou o direito material e o procedimento da “Adoção” em uma única lei, retirando expressamente a adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, a Lei de Adoção (Lei n.º 12.010) entrou em vigor em 03 de agosto de 2009.
           
Autoria:
Darla Aparecida de Mello, Advogada (OAB/RS 84.678), Juíza Leiga, Especialista em Direito Civil e Processual Civil.



[1] VADE MECUM. São Paulo: Saraiva. 2013.



[i] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2004.
[ii] RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Dicionário de Brocardos Jurídicos. São Paulo: Ateniense, 1995.
[iii] FONSECA, Claudia. Caminhos da Adoção.  2. Ed. São Paulo: Cortez, 2002.
[iv] CHAVES, Antonio. Adoção e Legitimação Adotiva. Ver. Dos Tribunais, 1966.
[v] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Direito de Família. Forense, 1991. v. V.
[vi] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Ed. Saraiva. 1995. v. 5.
[vii] VENOSA, 1995.
[viii] MORENO, Alessandra Zorzetto. Adoção: Práticas Jurídicas e Sociais no Império Luso-Brasileiro.
[ix] GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2010.
[x] FONSECA, 2002.
[xi] GRANATO, 2010.
[xii] PEREIRA, 1991.

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