Adoção
A “Adoção” não é um tema novo, que tenha surgido no século passado, quando as linhas do direito começaram a tomar os rumos que hoje conhecemos. Historicamente, os Hebreus já adotavam a prática desse direito, com a previsão da adoção em seus Institutos.
Na Grécia o direito de adoção era utilizado para que os homens dessem continuidade ao culto familiar. Buscava-se conceder a quem não teve pela natureza um descendente direto, um homem necessariamente, para dar continuidade a algumas tradições sociais, mantendo o culto aos deuses-lares[i].
No Direito romano, a prática também era adotada, para eles a adoção poderia ser assim definida: “adoptio est actus solemnis quo in loco filii vel nepotis adscicitur qui natura tslid non est[ii]”, é dizer: “a adoção é o ato solene pelo qual se admite em lugar de filho quem pela natureza não é”.
Entretanto, os direitos do adotado não se equiparavam ao do filho biológico. As desigualdades eram parte integrante da adoção legal desde a sua origem e, no Direito romano, já era adotado o princípio do “per adoptio nem dignitas non minuitur, sed augetur”, o qual pressupõe que diante do status superior da família adotiva, as cláusulas sobre herança eram formuladas para evitar um dreno no patrimônio dos mais para os menos afortunados[iii].
No Brasil, antes da adoção da Constituição Federal de 1988, que visou especialmente a garantia dos direitos dos menos favorecidos, bem como do Estatuto da Criança e do Adolescente e Código Civil de 2002, alguns autores como Antônio Chaves, conceituavam a adoção como “um ato sinalagmático e solene, pelo qual, obedecidos os requisitos fixados em Lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um vínculo fictício de paternidade e filiação legítimas, de efeitos limitados e sem total desligamento do adotando da sua família de sangue[iv]”.
Atualmente esse conceito está ultrapassado e os direitos (e deveres) do adotado e do filho biológico são os mesmos, sem qualquer distinção. E o instituto passou a ser definido como “o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer parentesco consangüíneo ou afim[v]”.
Portanto, a adoção pode ser considerada como o ato jurídico solene, que preenchidos os requisitos legais, cria um vínculo jurídico de filiação, em que geralmente um estranho é trazido para o seio da família, na condição de filho, sem que necessariamente haja consangüinidade ou afinidade entre adotante e adotado[vi].
2. Linha do tempo
Conforme foi mencionado, o direito de adoção possui uma longa trajetória histórica. Na Roma antiga, o adotante, deveria ter 60 anos, idade mínima exigida, vedando o direito aos que possuiam filhos homens naturais. A diferença de idade entre ambos deveria ser de no mínimo 18 anos e o adotado deveria ser o mais novo.
Inicialmente a mulher não tinha direito a adotar, a mudança só ocorreu na fase imperial, quando era necessária a autorização do imperador[vii].
Inicialmente a mulher não tinha direito a adotar, a mudança só ocorreu na fase imperial, quando era necessária a autorização do imperador[vii].
Longo período depois, em 1.780 a.C, o Código de Hamurabi tratou do assunto, dispondo em seu artigo 185 que “Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem”.
Verifica-se uma evolução na disciplina, posto que o Código de Hamurabi vedou a possibilidade de reclamação do filho abandonado pela família biológica. Uma vez adotado, a família que abandonou perdia todos os direitos sobre o filho. O maior problema é que o filho também perdia os direitos sobre a família que o abandonou, tais como direito de conhecer ou manter um vínculo.
Na Índia, entre 200 a.C e 200 d.C, o Código de Manu previa o direito de adoção, bem como os direitos de sucessão do filho adotado, igualando-o ao filho do irmão, ao filho clandestino e ao filho proveniente de casamento legítimo.
Segundo o Código de Manu, o filho adotado era considerado parte do grupo de “seis parentes” e herdeiro da família. Vejamos:
Art. 572º Todos os filhos de Dvijas, nascidos de mulheres pertencentes à mesma classe de seus maridos, devem partilhar a herança igualmente, depois que os mais novos tiverem dado ao mais velho, seu lote separado.
Art. 573º É ordenado a um Sudra desposar uma mulher de sua classe e não outra; todos os filhos que nascem dela devem ter partes iguais, mesmo quando haja uma centena de filhos.
Art. 574º Desses doze filhos dos homens que Manu Svaiambhuna (proveniente do ser existente por si mesmo) distinguiu, seis são parentes e herdeiros da família e seis não herdeiros, mas parentes.
Art. 575º O filho engendrado pelo próprio marido em casamento legítimo, o filho de sua mulher e de seu irmão segundo o modo supra indicado, um filho adotado, um filho nascido clandestinamente ou cujo pai é desconhecido, e um filho enjeitado por seus pais naturais, são todos seis parentes e herdeiros da família.
Se, por um lado, o Código de Manu garantia os direitos dos filhos adotados, seguindo na linha do tempo e chegando ao direito português, verifica-se um enorme retrocesso. As Ordenações do reino (Manuelinas, Afonsinas e, por último, Filipinas) estiveram em vigor até meados do século passado.
Com a transferência do patrimônio cultural de Portugal, o Brasil adotou as Ordenações Filipinas como sua Lei, e sua vigência se deu até a entrada em vigor do Código Civil de 1916.
Com a transferência do patrimônio cultural de Portugal, o Brasil adotou as Ordenações Filipinas como sua Lei, e sua vigência se deu até a entrada em vigor do Código Civil de 1916.
As Ordenações Filipinas, baseadas em princípios arcaicos, não previa o direito de sucessão ao filho adotado, a menos que parentes do adotante (de cujus), viessem a reconhecer o direito do mesmo para receber a herança.
Segundo as Ordenações Filipinas, parentes sanguíneos, ascendentes ou colaterais, recebiam os bens em casos de falecimento de indivíduos abintestado e sem descendentes, legítimos ou legitimados. Por isso, em casos da presença de herdeiros forçados, os processos de adoção continham inquirições feitas pelos Corregedores Cíveis junto aos eventuais parentes beneficiados. Nessas inquirições, eles declaravam se concordavam, ou não, com a adoção, a qual significava, em última instância, a perda dos bens[viii].
A adoção entrou para o nosso direito, com as características que apresentava no direito português. Foi o Código Civil de 1916 que sistematizou, pela primeira vez no Brasil, o instituto da adoção[ix].
Mas o Código Civil de 1916 apresentada falhas, foi com a entrada em vigor da Lei 3.133/57, que se vislumbraram alterações significativas para o instituto, dentre as quais a redução da idade mínima para adotar de cinquenta para trinta anos de idade e autorização para que casais com cinco anos de casados pudessem adotar.
Apesar de toda evolução, foi apenas em 1979, com a entrada em vigor do Código de Menores, que o adotado passou a ser considerado como parte integrante da família em todos os termos.
O Código de Menores de 1979 instituiu, pela primeira vez, a adoção plena e irrevogável pela qual a criança passa a integrar a família do adotante em todos os sentidos. O filho adotivo herda como se fosse legítimo e o parentesco adotivo é estendido por força de lei aos ascendentes: no registro novo, ao lado dos adotantes, inscrevia-se, também, os nomes dos pais dos adotantes. Ao lado da adoção plena, continuou a existir a adoção “simples” até 1988, quando a nova Constituição (art. 277, § 6º) acabou com qualquer distinção entre filhos, sejam naturais, adulterinos, incestuosos ou adotivos[x].
2.1 Adoção na Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 tratou especificamente do tema, reservando os artigos 226 ao 230, para tratar dos direitos de Família e, especificamente o artigo 227, § 6º, para dispor sobre o direito de adoção:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
(...)
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação[1].
A Constituição de 88, promoveu mudanças significativas no âmbito do direito de família. Com a nova determinação do Legislador Constituinte, foi afastada a odiosa discriminação antes existente entre os filhos. Não só o filho adotivo teve seus direitos igualados aos dos demais filhos, como a pecha infamante de filho ilegítimo foi definitivamente proscrita do nosso direito[xi].
A Constituição de 88, não apenas garantiu os direitos sucessórios do adotado, mas passou a garantir outros direitos, primando pela dignidade do adotado e visando garantir sua inserção em um ambiente saudável, próspero e capaz de lhe garantir uma vida digna, evitando quaisquer formas de distinção entre filhos naturais e adotados.
Segundo Pereira, “se a história constitucional brasileira pode vangloriar-se da presença permanente da Declaração de Direitos e Garantias Individuais do Cidadão, a Constituição de 88 introduz direitos fundamentais específicos da criança e do adolescente”.
2.2 A adoção no Estatuto da criança e do adolescente, Lei 8.069/90
Na esteira da Constituição Federal, 13 de julho de 1990, entra em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069/90, que regularizou o Direito de Adoção a partir das disposições Constitucionais de 88.
O processo de adoção no Brasil, antes burocrático, complexo e demorado, ganhou novos dispositivos para desburocratizar o procedimento. Além disso, buscou o Estatuto da Criança e Adolescente, o bem estar do menor, não apenas da família, inserindo neste instituto uma nova ideia para o Direito de Adoção.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), fundado na “doutrina jurídica da proteção integral”, regulamentou definitivamente a adoção para menores de 18 anos, mantendo as regras do Código Civil para os maiores desta idade, obedecido o princípio constitucional do artigo 227, § 5º, da CF. O novo Código Civil transcreveu inúmeros regras do Estatuto, deixando para o intérprete o desafio de preencher algumas controversas lacunas[xii].
O ECA permitiu novos passos, não apenas na preservação dos direitos dos adotados, mas também no panorama sociológica, uma vez que o Estatuto, que se baseia no Princípio da Proteção Integral à criança e ao adolescente, passou a considerar seus destinatários (os adotados) como sujeitos de direitos, contrariamente ao Código de Menores que os considerava objetos de direito.
Mas o novo Estatuto não esgotou o assunto. Quanto ao direito material, o ECA conseguia esgotar-se em si mesmo, prevendo extensamente sobre o direito de adoção. Entretanto, apesar do direito material estar esgotado, deixou a desejar quanto ao procedimento.
Então, o projeto de Lei 1.756 de 2003, concentrou o direito material e o procedimento da “Adoção” em uma única lei, retirando expressamente a adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, a Lei de Adoção (Lei n.º 12.010) entrou em vigor em 03 de agosto de 2009.
Autoria:
Darla Aparecida de Mello, Advogada (OAB/RS 84.678), Juíza Leiga, Especialista em Direito Civil e Processual Civil.
Darla Aparecida de Mello, Advogada (OAB/RS 84.678), Juíza Leiga, Especialista em Direito Civil e Processual Civil.
[i] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2004.
[ii] RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Dicionário de Brocardos Jurídicos. São Paulo: Ateniense, 1995.
[iii] FONSECA, Claudia. Caminhos da Adoção. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2002.
[iv] CHAVES, Antonio. Adoção e Legitimação Adotiva. Ver. Dos Tribunais, 1966.
[v] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Direito de Família. Forense, 1991. v. V.
[vi] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Ed. Saraiva. 1995. v. 5.
[vii] VENOSA, 1995.
[viii] MORENO, Alessandra Zorzetto. Adoção: Práticas Jurídicas e Sociais no Império Luso-Brasileiro.
[ix] GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2010.
[x] FONSECA, 2002.
[xi] GRANATO, 2010.
[xii] PEREIRA, 1991.
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