A
entidade que organiza um concurso público precisa atentar para as
particularidades do candidato com deficiência visual, já que ele é o
hipossuficiente da relação. Assim, não lhe cabe apenas zelar pelo registro
confiável e fidedigno do exame, mas também provar que forneceu ao candidato o
que estava previsto no edital e o prometido em termos de acessibilidade e
condições especiais na hora da inscrição.
Por
contrariar esse entendimento, a Fundação Carlos Chagas (FCC), sediada em São
Paulo, irá pagar R$ 19,6 mil a título de danos morais a um deficiente visual
prejudicado em seu desempenho durante as provas do concurso para analista do
Judiciário — promovido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em abril de
2010. O valor arbitrado pela 4ª Turma do TRF-4 (Região Sul) é a soma de três meses de
salário inicial da função buscada e não conseguida pelo autor, refletindo, cada
mês, as três ordens de danos morais sofridos: tratamento discriminatório,
angústia relevante e perda de uma chance.
O
relator da Apelação, desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, disse que
o deficiente solicitou à comissão organizadora do concurso as condições
especiais de acessibilidade, mas essas, embora deferidas no ato de inscrição,
não foram oferecidas na prática. A maior controvérsia ocorreu na hora da prova
de redação, onde a fiscal-ledora — que não tem especialização para tratar com
deficiente visual — foi criticada pela transcrição do conteúdo. Afirmou no acórdão, lavrado na sessão do dia 30 de setembro:
‘‘Quem deixou de cumprir a legislação e o edital não foram os outros dois réus (União e primeiro colocado), mas a ré Fundação Carlos Chagas. Portanto, é ela quem responde pelos danos causados, porque foi ela quem executou o edital, quem aplicou as provas, quem escolheu e contratou os fiscais e quem deixou de atender o edital quanto à acessibilidade que o autor fazia jus’’
Ação
indenizatória
O
autor, deficiente visual, participou do concurso público no dia 11 de abril de
2010, para provimento de cargos e formação de cadastro de reserva do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, concorrendo ao cargo de analista Judiciário para
a subseção de Foz do Iguaçu (PR). No cômputo geral, ficou na segunda colocação,
tendo obtido 284,50 pontos no total e 75 na redação. O primeiro colocado
conseguiu 288,37 pontos no total e 85 na redação.
Na
ação indenizatória ajuizada em maio de 2011, ele reclama que a Fundação Carlos
Chagas, responsável pela aplicação das provas do concurso, cometeu vários
erros, prejudicando-o na classificação geral. O mais grave foi a transcrição
defeituosa da prova de redação, feita por uma ‘‘ledora’’ não-treinada. Afirma
que ‘ditou’ o texto que havia digitado, mas a fiscal cometeu inúmeros erros de
grafia, acentuação e paragrafação durante a transcrição. Garante que o texto
que digitou no programa Word, da Microsoft, não possui qualquer dos erros
existentes no gabarito transcrito pela fiscal. Enquanto isso, os demais
candidatos deficientes não tiveram que ler a sua redação. Apenas imprimiram o
texto, que foi encaminhado para correção.
Pelos
efeitos do descaso a que foi submetido, o candidato pediu R$ 50 mil a título de
danos morais, além de reparação material decorrente da diferença de remuneração
entre o cargo que ocupa (analista judiciário na Justiça do Trabalho do Paraná)
e o que viria a ocupar (analista judiciário no TRF-4) se passasse em primeiro
lugar.
Sentença
improcedente
O
juiz substituto Emanuel Alberto Sperandio Garcia Gimenes, da 1ª Vara Federal de
Maringá (PR), observou que o autor não solicitou a transcrição da redação pela
auxiliar, diferentemente do que ocorreu com outro candidato-deficiente, que
acabou conseguindo a vaga. Isso, por si só, já feriu o princípio da isonomia, pois
colocou o autor numa situação desfavorável em relação ao concorrente. Assim,
deu parcial procedência para determinar apenas nova correção da prova de
redação, utilizando-se do texto digitado no Word — o que já havia sido
providenciado em abril de 2013, quando da prolação da sentença.
O
julgador ressaltou que a nova avaliação expôs os critérios adotados e
demonstrou os erros cometidos pelo autor, o que justificou a manutenção de sua
nota. Com isso, ele indeferiu o pedido de indenização por dano moral. ‘‘O autor
restou aprovado em 2º lugar no concurso, tendo obtido nota superior (209,50) à
do primeiro colocado (203,37), excetuada a redação. Portanto, efetivamente,
considerando o desempenho obtido na prova, não vislumbro a ocorrência do
alegado abalo moral a que tenha sido submetido e que tenha lhe influenciado
negativamente no concurso’’, escreveu na sentença.
O
fato de a nota final ter permanecido inalterada também derrubou o pedido de
reparação por dano material. ‘‘Assim, dada a inexistência da vaga e da própria
certeza da nomeação do candidato, não há se falar em dano material decorrente
de futura e eventual nomeação’’, concluiu. Mas a decisão foi revertida em
segundo grau.
Fonte: Revista Consultor Jurídico